sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Sangrando

O sangue une

e desune

sangrando torto

sangrando estrume

o olho morto

te mete ao cume

sem teu conforto

não há quem fume

no velho porto

ninguém assume

no chão retorto

o semimorto.


21 horas e 48 minutos de 27 de setembro de 2011.

Preto branco

Sou preto na pele;

e só.


Sou preto na cor,

sou branco no jeito,

sou branco na fala,

sou branco nos trajes,

sou branco no carro.


Meu sangue é preto,

minh'alma é branca.


Minha noiva é branca,

minha carteira é branca.


De preto só a pele;

e só.


15 horas e 6 minutos de 4 de outubro de 2011.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Residencial

Arrancaram os pinheiros

e montaram acampamento

de uniforme cinzento

ergueram primeiro as paredes

de tinta branca

pintaram as lajotas e os tijolos

e com piso amadeirado

revestiram o assoalho.


Só sobraram as araucárias

que a lei não deixou cortarem

e aonde viviam os passarinhos

agora farão os homens seus ninhos

num belo quarto residencial.


10 horas e 37 minutos de 5 de setembro de 2011.

Perdeu Playboy

Aquele cara não parava de falar.

Contava suas viagens para Europa, para África e pela América Latina.

Filho da puta!

Não parava de tagarelar o desgraçado.

E o calor dentro do ônibus esquentava o até o cu de quem estava sentado.

O sangue me subiu à cabeça, mas esperei pra ver se cansava. Não parou.

Não teve jeito, prendi o lazarento no chão e com minha faca de incisão estourei teu peito e ranquei-lhe o coração.

Pulsando em minha mão o coração do desgraçado, mesmo assim tua língua continuava se mexendo.

Cortei-lhe a língua.

E não é que o filho da mãe ainda soltava uns barulhos pela goela, e o sorriso não saia da tua cara.

Que podia fazer, esquartejei o homem todo, em pedacinhos mil. O sangue corria pelo corredor do ônibus, as pessoas se enojavam com aquele cheiro, mas eu me sentia tão bem.

Tranquilo, e agora finalmente em silêncio, joguei os pedacinhos na beira da estrada para que os urubus do cerrado se deliciassem.


13 horas e 20 minutos de 13 de setembro de 2011.

Moléculas que te molestam

Pingos de lágrimas de água salgada

molham os olhos brilhosos holísticos

goles de gotas em galés da vida

sinais da insinuante sina


gritos de guerra nas guelras

dum peixe humano e patético

moléculas que te molestam

atirem os átomos no pátio da escola


laços lentos e bem lidos

vínculos bem veiculados

estórias pouco históricas


setenta e cinco em suma

glória e garra cuspidos

estouros que estalam o estorno.


1º de setembro de 2011.

Preso (ou Estandarte da Morte)

Enquanto todos se divertem, eu aqui enclausurado numa sala de estar, bem embrulhado o estômago, esperando passar a fome de ser quem não sou, de ir aonde não vou, de cheirar o que já se foi e de enxergar o que ainda não foi.

Se a janela da jaula bem fechada estourasse por si só os cadeados enferrujados, poderia ver o feixe de luz que vejo, como um céu ensolarado com luz viva de liberdade.

E se o teto caísse abaixo da cabeça abaixada, cortaria logo fora o pescoço dependurado sob a coluna vertebral bem inclinada, e aí poderia olhar pra cima e tocar em Deus, de que até agora só ouvi palavras.

Mas primeiro com uma serra serraria os tornozelos presos na terra, para que com os tocos de pernas pudesse correr pra fora da caverna de ilusões internas.

E se mesmo assim não fosse livre, mutilava os ouvidos, a narina e os olhos, então sentiria a brisa fina na face ensanguentada, e não veria nunca mais a face das pessoas devastadas, não sentiria o cheiro mórbido da cidade putrificada, nem ouviria essas horríveis vozes engasgadas.

E se nada disso adiantasse, purgava a alma até secar-se, com o sangue dava descarga, com o pó jogava na água.


1 hora e 40 minutos de 8 de março de 2011.

Na Rua

Um homem sem dentes gritava na rua

gritava e ninguém ouvia

chamava o cão que ali do lado latia

em meio a fomes, ferpas e firmas

um mano chocalho passou

mal olhou e pouco se admirou

o cão distraído também nem ligava

para o homem que a tanto gritava

o homem se sentindo traído

desistiu do intenso ruído.


12 horas e 43 minutos de 5 de setembro de 2011.