domingo, 5 de abril de 2015

Encapsulado

Encapsulei o encapsulado

captei com o capataz o culpado

com a concordata de um corpo cavucado

com cristais de chumbo cravejados.


Cantarolei a canção da cessação

cantoria de um cano de canhão

não concordo com o calvo cidadão

que com cadeira de cadeia cessa um coração.


Sinto o santo no semimorto

sem salmos nem súplicas

desvaneceu sob o sol da súmula “salvação”.


Sombra sumária de um sacristão

seleção de uma sociedade sem solução

salve o sujeito que selou com sangue esse chão.


11 horas e 17 minutos de 23 de outubro de 2014.


Poesia sobre as frequentes chacinas de jovens negros nas periferias brasileiras.

Cem doses de rum não me embriagam

Não existe no mundo

farelo de cocaína que me ponha pra cima

nem pedra de crack que me ponha pra baixo

nem cem doses de rum que me embriaguem

nem cachimbos de fumo que me relaxem

nem remédios controlados que me façam dormir

e nem anfetaminas que me tirem o sono

nem ayahuasca e nenhum outro elixir

que dilua a realidade num piscar de olhos

mas sem nem a cannabis me avermelha os olhos

e nem a cachaça me embrulha o estômago

nem seringas usadas me transmitem AIDS

e nem fita de vídeo me põe pra dentro dum filme

até tentei outro dia engolir uma pilha

do jeito que entrou saiu e ainda cheia de bateria

engoli os bacilos de Koch duma amostra velha e vencida

e nem assim peguei gripe

nem tosse, nem dor, nem febre ou sinusite

me joguei na frente do trem, o maquinista parou

ateei fogo na casa e os bombeiros a tempo chegaram

transei com uma mendiga...

nem cancro, nem sífilis, nem gonorréia peguei

Diazepam, Benflogin, Haldol e Rivotril

já tentei de tudo, até Krokodil

e nada me trás de volta aquele mês de abril

estagnei na realidade e dela não posso sair

e pra sempre será meu início, meu meio e meu fim.


3 e 15 da madrugada de 22 de outubro de 2014.

Já dizia minha bisavó

“Mais vale um gosto que um vintém no bolso!”


14 horas e 20 minutos de 2014.

Já dizia eu

“Mais vale um gosto que um ventrículo novo!”


14 horas e 21 minutos de 2014.

Quatro caprinos campeiam no descampado

Quatro caprinos campeiam no descampado

com quantos cumes se constrói um quadrado?

Quanto queira e como quiser

quantifique o que não é calculável

calcei o calo do campesino

e com cápsulas corroídas cancelei a cancela da vida

come cuspido a carne crua de um cadáver cozido

corou até o coro do coral da cascavel carpaccio

conversas cavucadas em calçadas descalças

cobre o curió encoberto pelo canteiro

corro quanto consigo, caloteio o cachaceiro

cansado do cristal do cabo-friense

consumidos os cacaus de Cincinnati

cárie claustrofóbica e cansadiça que concorre

com contas em Cancún e Cayman

cantarolarei o quanto quero

e com a caveira do coelho carcomido

contarei o caderno do camelo

no recôncavo caramelo do teu clitóris.


13 horas e 26 minutos de 19 de março de 2015.

Futuro incerto

Cheio de porcaria na cara, na cabeça

quer o quê?

Dói mesmo!


Os pensamentos vazios

cheios de coisas que não viveu

moldados numa forma abstrata de ser

de pensar

depressão na certa.


Não adianta esconder os dentes

eles tremem

e nem adianta abaixar a cabeça

que ela cai.


Ou muda agora

ou nunca mais.


7 horas e 47 minutos de 2 de outubro de 2014.

Semana Santa

— Mas você usa drogas na Semana Santa? — blasfêmia! — perguntou-lhe com um olhar repreensor.

— Não — respondeu tranquilamente — uso drogas toda santa semana.


10 de março de 2014.

Colega meu me perguntou (de novo aquele chato)

— Herculano, com que idade você começou a usar drogas?

Respondi:

— Eu nunca comecei a usar drogas, eu já nasci usando!


6 horas e 42 minutos de 28 de janeiro de 2015.