terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Nostalgia (nº 2)

Há quatros anos atrás eu andava nesta avenida

as feridas feriam, eu olhava as gramíneas

as paredes descascadas, nostalgia


Meia-noite, um tanto quanto afoito

voltando pra casa, careta tão doido

atrás de alguém, atrás de alguma coisa

eu me lembro bem disso daqui

eu me lembro do que eu vivi

eu vejo as árvores e sei que eu estive ali


Hoje é dia e está cheio de pessoas

ontem quando estive aqui

há quarenta e oito meses atrás era noite

e não havia ninguém na passagem

mas o passo era rápido, o passo era rápido


Esta avenida tão cheia de carros e de fumaça

naquele dia eu só via as luzes dos faróis

e o brilho dos postes e das casas

e dos shows e dos restaurantes

e da vida correndo enquanto eu corria para fugir dela


Assim como antes eram luzes natalinas

eram prédios iluminados, eram vidraças refletidas

arecas-bambu pela calçada

e o mato ali na beirada


Mendigos dormiam na praça também

e eu queria tanto me juntar a eles

mas não podia, pois meu coração naquela hora

quase nem batia


Hoje tudo aquilo ficou pra trás

aqueles anos de guerra e paz

já não existem mais

e os eucaliptos mais crescidos, mais robustos


E a correria que eu faço agora sob sol a pino

naquela noite de luar

eu só queria era um pino


Mas quando o passado bate na porta

a gente o revisita, o revive

o reconfigura, e pode assim entender melhor

os próprios pensamentos, seus sentimentos

os tantos momentos


O que ficou pra trás não volta mais

mas o que está por vir

eu espero que venha com paz


Meio-dia e 26 minutos de 17 de dezembro de 2011.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Solidão

De que vale o ser, se é o ser sozinho?

Não há sentido na vida singular, mas no mundo de hoje é o que mais se encontra. O viver sozinho não basta ao homem, e por mais que a acomodação cubra-lhe os olhos e faça-o acreditar, ainda assim não basta.

Num mundo sozinho, na realidade interior, não há em quem se apoiar. Não há trocas, não há experimentação. E quando cai a noite, é aí que o coração se fecha em si mesmo; a mente, em sua maioria fácil de enganar, se engana. Dorme profundo como uma criança, mas como uma criança órfã, porque a criança sabe que tem o conforto da mãe.

E ao despertar daquele sono agoniante, se depara novamente com a solidão e vê o mundo lá fora, que de nada tem a ver com o seu mundo. De que vale o ser, se é o ser sozinho?


18 horas e 41 minutos de 12 de fevereiro de 2011.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Dois mil e doze

Estávamos acostumados com nossos dois zeros

por dez anos anos nos acompanharam

o que sobrou durou mais dois anos

mas agora são dois mil e doze

e ele já sabe que ficará só

por pelo menos noventa anos

pobre zero perdido

tantas vidas passarão por ele

tantas mortes, tantas feridas

e o pobre coitado ainda descobriu

que quando dois mil e cem chegar

ele não estará mais lá

será substituído por um um magrelo

dois novos zeros aparecerão no final

mas apenas dez anos sobreviverão

depois seus amigos só serão lembrados

a cada dez anos, quiçá.


Pobres zeros esquecidos.


20 horas e 44 minutos de 2 de janeiro de 2012.

Pressa

A pressa apressa o coração pra bater mais forte

apressa o infarto, apressa a morte

muda sua sorte.


10 horas e 12 minutos de 13 de setembro de 2011.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Domingo

É no domingo que as angústias ferem e as feridas gritam

É no domingo que a tristeza vem mais profunda

É no domingo que o corpo parece não se mover

É no domingo que as lágrimas ensejam escorrer

É no domingo de chuva que as nuvens cospem pra fora todo o sofrimento

É no domingo que as luzes parecem não iluminar mais

É num domingo que as memórias e lembranças e histórias viram filme

É sempre no domingo que a fome bate mais tarde

É sempre num domingo que aperta a saudade

É num domingo que a fumaça do cigarro passa lenta

É num domingo que o banho é o único aconchego

É no domingo que o som toca mais alto

É no domingo que as trancas não se abrem

É, e sempre será no domingo

pois domingo é o dia do pensar

Amanhã nada mais disso existirá


19 horas e 29 minutos de 13 de novembro de 2011.

Preguiça

Homem ou mulher

que 500 metros tem medo de andar

de sopa não adianta dar a colher

seja expresso o café ou seja de chá.


Preguiça de se mexer

e de pôr as pernas pra se movimentar

é preguiça de viver

é preguiça de pensar.


Vontade de correr sobre borrachas

só pra cortar a esquina e depois voltar

isso na minha mente não encaixa

pra mim isso é preguiça de estar.


Se com gasolina prefere se intoxicar

do que com ar “puro” respirar

continue dentro da sua caixinha

pois a preguiça comigo não vou levar.


20 horas e 36 minutos de 15 de dezembro de 2011.

Poesia sobre a preguiça.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Atenção senhores passageiros

O avião sobe a subida sórdida

Paulos, Plínios e Pedros Paulo

Guinchos guiados pela guia gonorréica

Galhos troncudos e enraizados no ar

Papagaios discutindo sobre política

E sementes que brotam no escuro

Guitarras distorcidas pela usinagem

Fezes podres fedendo a fome

Água suja desencanada

Trombas e trombas de porretes no solo

Motores maléficos e malfeitores

Escravos com sotaque solto

E pedras quebrando nos olhos vermelhos

Suor escorrido e descida sem fim

Furo grosso e profundamente mal furado

Ao inferno chegaremos, senhores passageiros

Abaixe as guilhotinas antes que o fogo nos queime

Quando a alma cuspir a matéria

Abrace o papai chifrudo

Pai da terra, pai dos homens

Luciférica será tua consciência.


14 horas e 31 minutos de 1° de dezembro de 2011.

Carta aos Patrícios

Eu, Herculano, pobre mortal, endereço esta carta a todos os Patrícios.

Definem-se por Patrícios aqueles homens que provém de famílias abastadas e de linhagem nobre. Contemplam-lhes, ainda, as mais finas qualidades: inteligência sui generis, superioridade racial (sangue azul) e beleza estética. Outrora, possuíam caráter divino, e distinguiam-se dos outros tipos de homens por estarem mais próximos de Deus, característica que hoje não mais se aplica.

Diferentemente de seus ancestrais, os quais muitos eram guerreiros, possuíam grandes exércitos e estavam sempre na frente de batalha, exibindo tua genuína virilidade, vigor e macheza, os Patrícios de hoje já não se dão com as armas. Ao invés do belo cavalo veiga como insígnia de status social, estes homens exibem-se em automóveis de alto valor comercial, sempre acompanhados por um punhado de agregados: um ou dois rapazes, e no mínimo duas ou três moças de plasticidade sem-igual.

Todos estes atributos fazem com que jamais possam ser confundidos com a plebe. Grosso modo, o que lhes diferencia é a não necessidade de trabalho para o auto-sustento. E se o patrimônio familiar for bem cuidado, é provável que nunca o necessitarão.

Pois bem, feita a breve descrição dos destinatários, profiro finalmente o meu intento.

Caros Patrícios, permito-me nesta humilde carta fazer-lhes algumas objeções, apesar de que, minha convicção é certa que jamais lhes darão a atenção devida, ou nem mesmo as lerão. Mesmo isto não me impede de deixar meu testemunho.

Dificilmente poderão entender o real sentido da vida permanecendo uma vida toda escondendo-se atrás de bens materiais. Infelizmente teus bens não possuem sentimentos, meus caros. Talvez, somente quando sentirem-se plebeus é que poderão conceder sentido a qualquer coisa que seja. Quando souberem que é pelo suor do trabalho que se obtém o alimento. Quando souberem que se as mãos não se calejam, o estômago se esvazia. E se tivessem família, descobririam ainda que se o sol não reflete na testa, são mais de três bocas secas e famintas.

Pois é, nobres homens, somente, e tão somente, por esta via, poderão um dia descobrir um sentimento verdadeiro. Descobririam assim, que nunca foram felizes. E mais: descobririam que somente a plebe é feliz, pois é entre o povo que os sentimentos são reais, e o resto todo é invenção. É o povo que descobre a felicidade por si só, à revelia destes que nascem em berços de pseudo-felicidade. A felicidade é do povo, Deus é do povo.

Viva o Povo! Viva a Plebe! Viva os Pobres! Viva a Vida!

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Chaminé do Amanhecer

Fumaça azulada pelos raios da manhã

fumaça espessa cristalina

queria enfiar a cara na boca da chaminé

e padecer lentamente.


Monóxido de carbono por monóxido de carbono

cheiro de óleo diesel é frutado

e fumaça de caminhão tem cheiro de chocolate.


O bebê que acorda aos berros clamando por sua mamadeira de puro cloro

e o pai de família que levanta com fome de ferrugem de ferro

enquanto a mãe prepara o chorume bem fresquinho.


O fogo que queima ininterruptamente

não dá sossêgo ao ego intoxicado.


Abre a porta com cuidado, mãe

que o rio corrosivo invade logo o barraco

mas não esquece de engolir tudo

quando o Dr. Alcides chegar.


Todo dia de manhã

não esquece de lamber o enxofre incrustado na caldeira

e beber o detergente industrial meio-agradável

e traz pra mim a querosene diluída

que é pra eu não poder me afogar.


7 horas e 5 minutos de 28 de novembro de 2011.

Luminária Natalina

Até o quartel está iluminado!


Luzes reflexivas ofensivas

cada ponto é um Deus

explodem nos olhos dos cidadãos

rasgam a córnea e dilaceram a retina

cegam os já iludidos

escondem em seu brilho os juros da prestação

rebatizam sua alma com notas de cem

e agora os olhos padecidos só enxergam a vitrine.


As luzes que extrapolam aos andantes

são as mesmas que correm nas casas

que iluminam as cidades e que entristecem os céus

essas luzes violentas

ludibriam a consciência.


21 horas e 57 minutos de 15 de dezembro de 2011.

Poesia sobre o Natal.