domingo, 10 de maio de 2015

Restos consagrados de mim

Olha, o peixe morto voltou

nadando em águas radioativamente ativas

com a boca fincada no anzol

e cheio de droga de peixe na barriga


Não é ômega 3 nem ovas de salmão

não é tintura de polvo nem dente de baiacu

do padre não sobrou nem o sermão

e do negro d’água nem o pau nem o cu


Respingando sêmen no canto esquerdo da boca

escorreu pela garganta a barrigada da sardinha

Iansã estuprada deu uma de louca

e meteu entre as pernas a cabeça da manjubinha


Foi então que Seu Peixuxa acendeu seu charuto

esfumaçando a gleba de 7 por 12

meteu no nariz o canudo

e bateu na filha com aquela velha e enferrujada foice


O peixe fora d’água morria feliz

excretando as vísceras podres de dois anos atrás

eram só os restos consagrados de mim

perdi com violência a virgindade da frente e de trás


Seguia para a fossa abissal

de encontro com os peixes-bruxas

corria no oceano fugindo pelo fundo do quintal

como o casco submerso de uma tartaruga


Encheram de estricnina a boca

e de arsênico o cu

caiu a realidade brava

a morte no mar é verde, vermelha ou azul?


2 horas e 22 minutos de 25 de março de 2015.

Palato

Te sinto no corneto médio e no meato... escorre pelo palato... contraem-se as tonsilas... pornograficamente adicta, uma garganta profunda de cocaína.


7 de janeiro de 2015.

A Última Refeição

Comi minha última refeição naquele velho restaurante cheio de juventude e vinagre

no dia tinha frango quase cru, assado e ensopado

estava com um sabor bom, bem temperado

pra acompanhar tinha salada de repolho e chuchu refogado

foi um banquete, o último depois de tantos anos

e apesar do cardápio monótono eu nunca reclamei porque Deus não perdoa desperdício

enchi o prato com arroz, feijão e farinha

em menos de dez minutos devorei tudo

era uma vida que passava pela minha boca

minhas papilas gustativas já não eram mais as mesmas

meu pulmão preto e o meu esôfago furado por enquanto ainda funcionavam

foram cinco anos, mais de quinhentas refeições

me mandaram pra bem longe, onde Deus não faz morada

mas aceitei sem maiores problemas o meu destino

ainda estou tentando encontrar felicidade, apesar da avançada idade

não encontrarei mais aquelas coxas de moça jovem nem as coxas de frango

não perturbarei mais aqueles que vão ao banheiro e encontram a porta fechada

não vou mais ficar te olhando sem pudor, fique tranquila

não vou decepcionar de novo as suas expectativas nem as minhas

adeus cozinheiro nordestino, adeus meu crocante frango frito

continue alimentando essa gente, não importa se tem ou não Deus na mente

alimenta essa gente, alimenta esse povo.


15 horas e 1 minuto de 26 de fevereiro de 2015.

O Cogumelo Mágico

Dois sachês de chá de canela, quatro colheres de sopa de mel de eucalipto, três cravos de Índia, uma dose de 30 ml de rum branco e 300 ml de água mineral. Aqueça todos os ingredientes em uma chaleira, mas não deixe ferver. Pique 6 gr de cogumelos mágicos vendidos secos, e embalados a vácuo por uma empresa idônea, ao preço de R$ 60, em um copo. Despeje a mistura, mexa um pouco e cubra. Deixe esfriar por uma hora. Coe e jogue fora os cogumelos. Em uma tarde aprazível de domingo tome a bebida e procure por pessoas de mente aberta que não queiram discutir Marx nem Kant, nem Schopenhauer e nem Dostoiévski. Não carregue consigo muitos pertences, pois a chance de perdê-los é grande. Carregue apenas o documento, dinheiro e cigarros (se você for tabagista como eu, é claro). Em apenas três horas você terá restabelecido sua consciência e sentirá saudades daquela “pequena morte”. Evite repetir a intoxicação por mais de dois dias seguidos.


13 horas e 11 minutos de 24 de março de 2015.

Ressabiado à luz da lua

’Quele garoto co’aquela lua

ressabia de quem passa ao lado

regurgita enquanto aspira

o ar inebriante d’éter d’outr’álguem

céu iluminado d’estrelas gotejantes

lebre, rat’ou castor se passam de ruminantes

é c’a magrugada é curta

não dura o pingo d’um pino

e qu’esta’questão não é tão simples

não depende de mim nem das libr’esterlinas

respin’goteira na cabeça da minha cabeceira

que molh’até o saco

escraninhainha de labirintiteíte

castr’o castor antes qu’é tarde

não descansa nem na sexta-feira santa

e como o kaiowá-nhambiqwara mat’a’nta e come

se fosse uma bolinha de cera n’ouvid’esquerdo

estava bom qu’era fácil, fácil

mas a magrud’acabou era tantas’pras’tantas.


Pingo de água verde escarlatina de lamentaciúncula de duas e vinte da matina de primeiro de abril de dois mil e quinze do ano de Cachadaço-Playmobil.

Oxidado?

O que era aquilo? Um oxi crackeado ou um crack oxidado?


Meio-dia e 24 minutos de 19 de março de 2015.

O Maço do Suicídio

Naquele maço de cigarro guardo meu suicídio

nele levo mil e um venenos, digo, crack e cocaína

que eu compro ali na esquina, bem pertinho

desagrada ao Senhor e também ao meu fígado

e ainda por cima nem me desbaratina.


Procurei no teu amor a minha salvação

não encontrei e me entreguei ao vício

vendi tudo o que eu tinha, um porrete e um maçarico

hoje só tenho lápis e papel pra te escrever essas palavras

polvilhadas à cocaína.


E você ainda está comigo

seu amor deixou de ser meu vício

há mais de dez anos juntos, não encontro uma saída

nem as suas tatuagens cadavéricas, nem a sua pélvis molhada

me animam.


11 horas e 38 minutos de 11 de dezembro de 2014.

Paródia

Eu vou fumar um beck antes de ir no Mac

vou comer feijão atômico ouvindo o rádio

cheirar caneta Bic num canudo plástico

tampar os meus ouvidos com farelo mágico

descer na contramão da autopista rápido

comer um cogumelo do meio do asfalto.


Alô, alô, seu Juvêncio

aquele abraço

alô, marginal de Ipanema

aquele raio

alô, ladrão de sapato

quadradinho dado

alô, mendigo com efisema

aquele abraço!


Alô, povo do Glicério

aquele dado

alô, moça magra e alta

um forte agarro

quem gosta de mim sou eu

naquele raio

quem gosta de mim sou

eu sou um trapo...


11 de dezembro de 2014.

Mel orgânico

Fui lá pensando encontrar mel orgânico, mel novo

só encontrei borracha torta com essência dum semimorto

travou e atravancou de novo meu até aqui então forte organismo

raspa do tacho da tia da cozinha que cozinha ali ao lado

displicentemente arrancou tudo o que eu tinha

sorte minha que eu tinha recebido

quiçá amanhã ou antes de ontem eu encontre coisa boa

porque essa molecada de hoje em dia já não mostra mais fibra

se entorpecem o dia inteiro e estragam minha narina

e eu já não penso em outra coisa na vida...

pobre de mim.


9 horas e 18 minutos de 21 de outubro de 2014.