sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Mucosa Judiada

Não judiou da mucosa?

Agora aguenta!


Numa terça-feira de carnaval

a balança veio à solta

ruminou nos matinhos dos cantos

e nos pelinhos e ossos encravados

pra deixar claro para o patrão quem que manda.


Expectorou sem se desculpar

e na verdade não expectorou muito

saiu é pus seco com catarro de doido

cavucando todo meu miolo.


Sério mesmo que você vai continuar nessa?

Mesmo depois do Hospital das Clínicas?

Mesmo depois das 373 gramíneas?


E eu já sabia que hora ou outra ela se revoltaria

que do chá de Rogerinho nem complica

que a doença se instala e fica.


2 horas e 52 minutos de 20 de fevereiro de 2016.

Hugo, o jovem

– Já falei pra você não deixar aquele nóia vir aqui!

– Mal aí, ele apareceu do nada.

– Não vou falar de novo, não quero nóia na minha boca.

E foi assim que Hugo iniciou sua vida no crime. Cento e sessenta e oito meses, cinco mil cento e dez dias e nenhuma escolha. Sua mãe enfermeira trabalhava de sol a sol, mas o pai não estava, nem sabia quem era. Infância de misérias, pés descalços e barriga d’água. Ficou magro, magro.


Quando o Paraíba tomou a boca depois que o Fião morreu com sete tiros na cabeça, o jovem Hugo, que nunca tinha beijado na boca, decolou como avião. Cara de bom moço, passava um pano pros coxinhas e sempre se safava. Pobre Hugo, tão jovem e tão sonhador… sonhos que se dissipavam no ar em meio àquela baixada no centro da cidade, cheia do cheiro fétido de tempos de outrora, do Mercado dos Caipiras, do Municipal e das lavadeiras do Tamanduateí.


Que saudades eu sinto, me atendia tão bem, com voz de mal e três ou quatro doses de paraíso artificial. Depois daquela bronca eu parei de visitá-lo. Fiquei meses a fio fincado no meu quarto de estar desarrumado. Quando voltei não o encontrei. Voltei mais uma dúzia de vezes e nada. Da última vez vi que demoliram até a porta de entrada da loja, só cascalho no chão, acho que mataram o Paraíba.


Meu jovem Hugo, que a vida seja bela pra você, que você encontre o seu próprio caminho. Obrigado pelos plastiquinhos vermelhos bem fechados, obrigado pelos neurônios que você me ajudou a queimar, pela vida vadia, pela lâmina da navalha na ponta minha língua ressecada. Obrigado pela porção vantajosa e obrigado também pela estragada. Voa pardalzinho, encontre tua rota, encontra uma companheira boa, sai dessa vida que eu vejo no seu rosto a infância ainda viva.

6 horas e 29 minutos de 22 de junho de 2015.

Ah, mordiscando

Ah, mordiscando

tava com o gozo na boca e agora tá gozando na boca dos outros

ah, que ninguém me segura

ah, que mordisco de leve os clitóris delas

ah, que o sucesso chegou

ah, que eu mereço esse dom

tava ali na esquina de bobeira e agora não tô mais na rabeta de ninguém

cabeçudo eu não digo nunca mais porque isso não se diz

caem as máscaras e eu me sobressaio

canta gaivotinha, canta Fernandinha e Carolininha

não quis me chupar todinho, quem mandou

e canta Jorge Ben Jor que eu nem ligo

me crava no peito o ar puro

manda toda aquela droga embora

não desvia meu caminho que agora eu piso

saia da frente que eu quero passar

mas a amizade e a essência é a mesma, fica tranquila

relaxa esse útero no meu pau taludo.


(Risos)


Ah, como eu me divirto

ah, e bem que você gosta quando eu mordisco.


11 horas e 24 minutos de 15 de agosto de 2015.

O Portão Dourado e As Siriemas

Pintaram o portão da vila de dourado bem no dia em que eu deixei meu barraco

recolhi todos os sapatos, juntei minhas coisas e enfiei num trapo

deixei pra trás uma vida inteira e não ouvirei mais o canto das cigarras nem dos carros

não sobrou um resto de mim, só as siriemas do mato, meia dúzia de galinhas e três pintos d’água

cascalho batido por baixo do chão e aquela cozinha cheia de baratas

me lembro que quando chovia fazia enxurrada e inundava a casa

lavava o chão com esgoto e urina de rato até um palmo

mas que eu sinto tanta saudade…


Fizeram brilhar de ouro aquele ferro velho do portão de entrada

só pra se despedir de mim e me dar mais saudades

aqueles boldos crescidos, aquele manjericão e aquele maracujá entrando pra dentro do quarto

as incontáveis noites de fumagem deixavam um amontoado de garrafas vazias no meio da sala

cuspidas, portas fechadas e cinzeiros cheios de bitucas de cigarro

entre outros tragos que deixavam no ar do estreito barraco o cheiro de incenso de benjoim e tabaco.


Sempre me lembrará o sol nascendo aquele lugar, que quantas vezes virei desacordado

e quantos momentos delicados com o cachorro ao lado de banho tomado

ó, e aquele cheiro de sabonete perfumado, sinto na ponta da língua o corte da navalha

no coração perfurado a fogo de brasa de caldeirão, ainda resta um ventinho para soprar

da lata de alumínio já não sai nem Guaraná Antártica nem gás corrosivo

hoje não me bastam ouro nem prata e nem galinha d’Angola da África

amornado, como café quente com leite gelado, não encontro saída nem pelo esgoto do ralo

o passado não me pertence mais, nem meus pertences mais

que na memória fiquem selados aqueles anos de mocidade naquele barraco.


3 horas e 38 minutos de 10 de março de 2015.

Décimo quarto

Garoto, não se diz quatorzésimo, se diz décimo quarto.


4 horas e 34 minutos de 13 de maio de 2015.

Incurável espera incansável (nº 2)

Maconha, cocaína, crack e cogumelo

são os meus remédios

são três tipos diferentes

e um subdividido

um esfumaçado

o outro narigudo

aquele é uma navalha

e o último alucinado

não me causam arrepio nem espasmos

só dor de barriga, no pescoço e no sovaco

o primeiro eu compro por peso

o segundo e o terceiro por dose individual

e o último por gramas embaladas pelo micólogo regional

não canso nunca desta incansável luta incurável

não me lembro mais da minha infância

a vida passa lenta e rápida ao mesmo tempo

não vejo mais a copa das árvores

nem a cópula dos cavalos

e eu que só copulo com hora marcada

uma semana antes pra não causar desgaste nem sujar o assoalho

não me critica agora, pois nunca se sabe a hora

e o que hoje eu sou pode ser você amanhã com atraso e demora

se você não sabe sua própria história eu sei bem a minha e por onde eu ando

sei quanto custa um saco de batata e dois quilos de manga

sei que se não tomar a pílula nasce um anjo

e os diabos fálicos falem no espaço como um isqueiro velho em chamas

descobri anteontem a terapia, mas ontem mesmo desanimei

perdi quatorze reais andando sem rumo e sem volta

e voltei para casa com a consciência pesada

não pelo dinheiro perdido, mas por Deus que me salva

encobre tudo o que eu fiz e traz de volta a minha paz

me oferece seu clitóris para eu me apaixonar por você

joga água a na minha cabeça pra limpar o sal

me ama como nunca, me descobre outra vez…


11 horas e 34 minutos de 18 de maio de 2015.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Autobiografia

Aos 6 a primeira embriaguez alcoólica

Aos 12 o primeiro cigarro

Aos 13 o primeiro baseado

Aos 14 cola, tíner, benzina e cocaína

Aos 23 a primeira pedra de crack de verdade

Com 24 a primeira viagem psicodélica

Com 26 cheirei uma vez heroína

Aos 32 ayahuasca

Picar eu nunca me piquei, apesar das insistentes amizades

Uma autobiografia minha

e como sempre mal contada…


6 horas e 15 minutos de 15 de novembro de 2015.

Más companhias

– E aí cara, vai um gole de metal líquido?

– Não, obrigado. Estou resfriado.

– Poxa, cara, prova um pouco de haxixe de banha.

– Não, obrigado. Meu fígado já se juntou até com as entranhas.

– Então porque não tenta bosta de gato alucinado?

– Porque minhas fezes já saíram com sangue e cloridrato.

– Esquece vai, até ia te apresentar um piche em pó que é melhor que rapé.

– Não tô podendo, meu. Já to recheado de verme do cérebro até o dedão do pé.

– Mas nem mesmo um golinho de cana de bituca de cigarro?

– Se eu tomo isso eu tusso, vomito e escarro.

– Tá certo então (que eu vou atrás de outro otário).


16 horas e 38 minutos de 21 de junho de 2015.

Se o amor não chega

Se o amor não chega, pelo menos ela me meleca inteiro.


10 horas e 27 minutos de 24 de novembro de 2014.

Drogadicto também ama

Quando quero muita pedra, tá ruim

quando quero pouco pó, tá bom

quando quero muito pó, tá ruim

quando quero pouca pedra, tá bom…


E assim não sacio de jeito maneira o meu desejo incontrolável de fugir de mim mesmo, de afogar os meus anseios, de curar meu coração como um queijo mineiro, de saber a hora certa de te pedir um beijo, de entrar em desespero, de saber tirar proveito dos meus devaneios, de gastar com consciência o meu dinheiro, de enfiar sem medo a cara no travesseiro, de me enturmar na hora do recreio, de sair pelo mundo como um forasteiro, de ir direto ao ponto sem rodeios, de esquecer meus pagamentos corriqueiros, de acender o isqueiro sem receios, de mudar meus hábitos em janeiro, de entrar em transe com o aquele velho cântico jongueiro… enfim, de ser eu mesmo por inteiro.


8 de janeiro de 2015.

Madrugada

Na madrugada faço mil e uma infusões químicas

preparo mil e uma misturas químicas em cigarros de tabaco ou de cannabis

peneiro bem peneirado o rapé perfumado que ataca meu palato e dele faz sair no céu da boca um osso brabo

eu rio da minha sorte de principiante e da minha desgraça há vinte e seis meses anunciada

me desculpe se não fui sincero, não tenho culpa se você não percebe o meu estado alucinado (se bem que eu disfarço bem)

se o amor é para todos, o vagabundo também tem direito de amar e se lambuzar com o muco vaginal

quando fomos para Marselha você não reparou na minha coriza e no cheiro forte que saia da minha boca

você não sabia que dois dias antes eu tinha encontrado um marroquino no porto (veja bem como sou disciplinado, eu disse “dois dias antes”)

é verdade, aquelas picadas no braço eram da enfermeira com Parkinson do hospital Le Givre

e quando encontramos a miséria viva em Luanda você acreditou mesmo que iboga era um chá pra dor de estômago

e no Rio de Janeiro, aquela cidade sempre maravilhosa, cheia de morros e favelas (sim, no Rio de Janeiro, aquela cidade sempre maravilhosa)

você pensou que o Rodrigo era mesmo um amigo de infância…


Na madrugada você dorme, meu amor, e eu não viro coruja, eu viro é rato

na madrugada todos dormem, minha mãe dorme, meu irmão dorme, minha irmã dorme e você também dorme

quando corto minha língua com navalha, a fumaça que impregna meu quarto de estar sai até pelo ralo

do intelectualismo ostrogodo que de dia eu vivo, de noite eu me transformo

se sou um burro ou um chato, acho que sou os dois

na calada da noite ponho meu disfarce, e não é de Mister M nem de Wally

é de Herculano Novaes, homem normal em sua indiferença crônica

um dia você voa passarinho, mas só no dia que eu abrir a gaiola.


9 horas e 12 minutos de 22 de março de 2015.

O Velho e o Moço

O velho traz pro moço o que é do moço. O moço dá pro velho o que é pro moço. O que é pro moço não é pro moço nem pro velho. E o que é pro velho também é pro moço. Nem o moço nem o velho tem o que é pro velho, só o que é pro moço. E o que é pro velho não sobra, nem o que é pro moço.


Meio-dia e 26 minutos de 4 de dezembro de 2015.