Na madrugada faço mil e uma infusões químicas
preparo mil e uma misturas químicas em cigarros de tabaco ou de cannabis
peneiro bem peneirado o rapé perfumado que ataca meu palato e dele faz sair no céu da boca um osso brabo
eu rio da minha sorte de principiante e da minha desgraça há vinte e seis meses anunciada
me desculpe se não fui sincero, não tenho culpa se você não percebe o meu estado alucinado (se bem que eu disfarço bem)
se o amor é para todos, o vagabundo também tem direito de amar e se lambuzar com o muco vaginal
quando fomos para Marselha você não reparou na minha coriza e no cheiro forte que saia da minha boca
você não sabia que dois dias antes eu tinha encontrado um marroquino no porto (veja bem como sou disciplinado, eu disse “dois dias antes”)
é verdade, aquelas picadas no braço eram da enfermeira com Parkinson do hospital Le Givre
e quando encontramos a miséria viva em Luanda você acreditou mesmo que iboga era um chá pra dor de estômago
e no Rio de Janeiro, aquela cidade sempre maravilhosa, cheia de morros e favelas (sim, no Rio de Janeiro, aquela cidade sempre maravilhosa)
você pensou que o Rodrigo era mesmo um amigo de infância…
Na madrugada você dorme, meu amor, e eu não viro coruja, eu viro é rato
na madrugada todos dormem, minha mãe dorme, meu irmão dorme, minha irmã dorme e você também dorme
quando corto minha língua com navalha, a fumaça que impregna meu quarto de estar sai até pelo ralo
do intelectualismo ostrogodo que de dia eu vivo, de noite eu me transformo
se sou um burro ou um chato, acho que sou os dois
na calada da noite ponho meu disfarce, e não é de Mister M nem de Wally
é de Herculano Novaes, homem normal em sua indiferença crônica
um dia você voa passarinho, mas só no dia que eu abrir a gaiola.
9 horas e 12 minutos de 22 de março de 2015.