segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Despedida pedida

Entre um embarque e outro

não foi mais que meia hora

não foi mais que uma vida

que até a catraca travou desiludida.


Meu pai que me protege

que me liga, bem na hora, e evita

que me livra da bala perdida

da arma do policial civil enfurecida.


Há tempos que pedia esta despedida

há tempos que pedia esta mordida.


Não foi um beijo como o do Kurt, o do Philip ou o do Jimi

mas foi o beijo mais longo da minha vida.


Foi um beijo doce e traiçoeiro

um beijo tão pedido de pedreiro.


8 de janeiro de 2015.

Dois anos de vadiagem

Completei dois anos de vadiagem e nem percebi

dia dezoito de janeiro de dois mil e treze fui mandando embora

enxotado, espezinhado, posto na rua como um despejado

fugi da polícia, corri pelas vielas da favela

cai no chão de cara na bosta do gato

me caguei todo, fui espancado por três maltrapilhos

bebi urina e meu próprio sangue...


Sai renovado, como um passarinho que aprende a voar

por meses a fio vivi os melhores anos da minha vida

andava pelos parques da cidade, conhecia novos lugares

não falava com ninguém, mas me divertia

morei de favor, vendi drogas, vendi até o meu próprio corpo

me desconectei de tudo...


Mas a realidade voltou em seguida

ao final do melhor ano da minha vida descobri a sangria

minha saliva já não era mais a mesma, meus pensamentos abstratos perdidos no ar

nem meu sexo, tão calorento e selvagem, virou algo minguado que não dá nem vontade...


Completei esses dois anos e agora é a hora

o astrólogo argentino – maldito, pra quê tanta sinceridade? – disse pra deixar pra trás tudo isso

eu, um pouco confuso, que nem lembrei do aniversário trágico, devo me decidir.


Conto com Deus, e ninguém mais!


21 horas e 40 minutos de 18 de janeiro de 2015.

Ônibus Lotado

Dei um tiro pra pegar no tiro um ônibus faminto por gente cor de vinho tinto

O fedor do suadouro no couro deste povo enjaulado no automóvel feito touro

Só não relincha porque está cansado deste dia de pura fadiga no final do dia

Com o cheiro da fábrica que se fabrica do lado do quarto de ninar imbica

o ar fétido da combustão de petróleo e bauxita

Choram o choro da solidão neste mato sem cachorro

Quando chega no mato mesmo não mata nem a fome

Se o feijão é duro não reclama pro patrão que ele é mais duro

Antes disso passa pela fábrica de blocos onde o monobloco produz tijolos

É árduo o serviço que nem chouriço põe na testa a cartola, nem refresco de cola

No barraco de madeira está a esteira onde dorme a família inteira

Do lado de fora o cachorro magro em sua portinhola

Descansa Seu Gildo, que agora pode

Não me pede esmola que mal dormiu daqui a pouco está na hora

acorda logo e vai trabalhar sem demora.


17 hora de 16 de dezembro de 2014.

Sushi

Sushi com cocaína não combina.


15 de novembro de 2014.

No último verão

Perdi todos os pêlos do nariz no último verão

no ouvido produção excessiva de cera

os olhos esbugalhados com miopia aumentada

migrânea do lado esquerdo

catarro encrustado no esfenóide.


E o pior é que o último verão não volta mais pra terminar o serviço.


11 de outubro de 2014.

À noite todo mundo se arrisca

Luz piscando à noite, é polícia?

Não, é ciclista.


18 de novembro de 2014.

Amitriptilina

Me deram essa bolinha laranja

pra tomar todo dia meia hora antes de dormir

mas o que pode fazer a amitriptilina

por quem cheira cocaína?

No máximo dor de barriga

por causa do amarelo tartrazina

ou sonolência excessiva ou estado de vigília

mais uns dias misturo com uísque

pra ver se cura de vez minha enxaqueca-migrânea

e desbaratina.


9 horas de 30 de agosto de 2014.

Perdi a libido

Fui descendo a mira e estava tinindo

quando vi o seu dedão do pé perdi a libido.


17 horas e 20 minutos de 8 de janeiro de 2015.