quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Animais

Triste é ser um passarinho estranho no ninho piando por papinha

ou um coelho encurralado protegendo sua família

Feio é ser lobo sem matilha ou arara sem cantiga

cão sem dono e preguiça sem fadiga

Cruel é ser rato sem gavião

ou barata sem cano sujo

Ser primata falante é fácil

duro é ser presa


23 horas e 6 minutos de 30 de dezembro de 2011.

Nostalgia

Bons tempos de miséria.

Bons tempos em que

a minha única preocupação

era a fome.


E isto não é metafórico

ou como quer que chamem os cerebróides.

Mil vezes mais amena a dor nas vísceras

do que a dor no coração.


Sinto falta a azia

que queimava a barriga vazia

borbulhas de primazia

que ao intestino feria.


Ó saudades do capim pastoso

que em fumaça enchia o peito

daquele amargo infinito

daquela dor crônica.


Leva-me de volta

para os tempos de miséria

corta meu salário

e liberta minha alma.


20 horas de 18 de outubro de 2011.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Sem chão

Dos papéis só sobraram as cinzas

dos quadros só o resto da tinta

das portas e armários, lascas de ferpas

da poltrona de couro, os rasgos

o chão que despencou em pedaços

e as paredes quebradas do quarto

rebatem os ruídos sonoros

dos sopros da Louisiana

apegados aos pés da cama

que sobraram.


O travesseiro de ácaros

amansa o peito queimado e ensanguentado

pelas pontas de espelhos de aço

escalpelado, forçado o pescoço pelo teto torto

escorre o escarlate fluído

que embebe os mórbidos escombros.


Meia-noite e 48 minutos de 31 de janeiro de 2012.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Alimentação

Quem come à R$ 29,90

de certo que a cabeça não esquenta

e no final quiç'ainda dá gorjeta.


Molho madeira, azeite extra virgem?

Na barraca da tia, só croquete, nem quibe.


Aspargos, couve-flor e maionese?

Mostarda Heinz, alcaparras e gergelim?

Come devagar e no final sorri?


Enquanto isso na calçada da rua

a salsicha esquenta

o purê de batata fervendo

cobre o pão de vinagrete e desejo.


Enche a pança do trabalhador

que lambe os beiços

que é pra não sentir dor.


Refresquinho de caju à R$ 1,50?

Quero ver se a madame se contenta.


Mas isso sempre foi assim

não tem jeito

quem tem come bem

quem não tem, come mal

mas come também.


Meio-dia e 53 minutos de 20 de dezembro de 2011.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Reintegração de Posse

Paulistas canalhas

desalojam desabrigados

para construir suas muralhas


Tucanos assassinos

matam o bebê ainda dentro da barriga

mas não fazem o mesmo com seus filhos


Não olham em seus rostos

e das velhas moradias

sobrarão só os escombros


Vendem a vida de famílias

para enriquecer suas companhias

enquanto suas filhas vadias

vendem o corpo por mil libras


Tiram o teto dos necessitados

à base de bala de borracha

e coronhadas

jogam-lhes no buraco

tratam-lhes como trapos

como pedras no sapato


Tiranos, queimem no inferno!

Tiranos, cuidado, perfuraremos o seu terno!


8 horas e 59 minutos de 2 de fevereiro de 2012.

Poesia sobre os constantes processos de reintegração de posse realizados no estado de São Paulo.