quinta-feira, 9 de julho de 2015

Mitocôndria

Os portugueses chegaram com botinas de plástico cor-de-rosa, envoltos em mantos árabes cantando unidunitê. A indiarada de caminhonete 4×4 não quis nem saber e descarregou a cartucheira de bala de metralhadora russa na portuguesada. Meia dúzia de gazelas abatidas subiram lá no alto da Cordilheira pra se esconder do senador-policial Inhãúmãsã que chegou com duas profissionais do sexo holandesas, as duas penduradas por baixo dele, uma lambia o saco e a outra lambia o cu, enquanto ele procurava pela mira do rifle Sniper® os recém-chegados. Feito um acordo às pressas, o português foi na feira comprar uma vaca que veio cheia de super cola, aceitou o trabalho forçado do índio bravo e xingou sua própria mãe em Algarve. Uma televisão foi vendida também e um dos portugueses quis comprar um pênis de borracha na choupana da Madre Teresa do Humaitá, irmã de Santa Rita do Passa Quatro (oh, boy!). Voltando pra aldeia, isso por volta de 1500, a Internet 4G não funcionava muito bem e o português foi obrigado a tirar leite do pau do Brasil, um negrão africano, rei do Congo e do Benim, que fugiu da sua terra após um golpe militar financiado pela social-democracia apache e por Mpintinga Zondum Cafuzê, líder religioso maometano mantenedor de 7248 mulheres, e a partir daí passou a vender escravos malaios e polinésios nas costas brasileiras, daí a alcunha. O português não se acostumou, pois o trabalho era realmente duro e desistiu depois do vigésimo segundo ano. Quis voltar para sua terra e pra comprar a passagem do cruzeiro ANMM (AíNoMarMemo) resolveu vender pedras de sabão, pedras de crack e pedras mesmo, obtendo sucesso com as duas primeiras. Voltando pra sua terrinha encontrou uma nação desolada pela guerra, pela seca e pela fome. Naquele instante exato que abraçou seus quatro filhos sem braços, mutilados por minas de piche e de aço debaixo do asfalto, sentiu tanta falta daquela indiarada sanguinária e safada.


3 horas e 36 minutos de 21 de abril de 2015.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Dichavando a roupa do varal com expurgo de gato

Vomitei 400 ml de nitroglicerina com cal virgem de São Tomas de Aquino.

Caguei duas ou três vezes na privada do padre e deixei três ou quatro marcas de bosta.

Nem vi sua assadura nem a minha erupção cutânea.

Nas minhas narinas já não entram mais cloreto de sódio com estricnina.

Não vejo graça na Praça é Nossa nem na vida.

Não vejo nem as crianças que me pedem esmola, nem traficantes descalços fumando cigarros de maconha.

Desci até o décimo quarto subsolo e não encontrei o diabo.

Fui para Osasco atrás de um rabo de saia e só encontrei Trident por um real.

Óculos escuros pra me clarear a vista e sapatênis pra parecer bonito.

Catei quantos coquinhos consegui e descasquei setecentas batatas do jeito que você pediu.

Nada disso me agrada.

Virei para a esquerda pra fugir do Seu Coelho, furei a fila do banco e não estava armado.

A logística da minha vida está enfrentando greves nas estradas.

Se a economia vai mal resolvi encher os bolsos de antrax e sair cumprimentando todo mundo.

Comi um caramujo no vão entre o trem e a plataforma.

Por que Deus não me mandou embora?

Vai ver que simpatizou comigo.

Não servi o exército e não pago imposto de renda.

Não tenho filhos nem animais domésticos, só eu mesmo.

Nunca encabecei revolta nem desvirginei a filha do Seu João.

Escolhi a dedo a pasta de dentes, o enxaguante bucal e o lubrificante íntimo.

Até esqueci minha consulta no Hospital das Clínicas.

Acho que paro por aqui, antes que os gatos do vizinho venham comer minha comida: mingau.


Meio-dia e 3 de 30 de maio de 2015.

A Viagem Psicodélica

A viagem começa quando o último ônibus passa e termina quando o primeiro sai da garagem.


Meia-noite e 9 minutos de 26 e maio de 2015.

M&M’s

Aqueles pedacinhos de cor que são os M&M’s

não impressionam pelo seu gosto doce de confeito anilinado

nem pelo câncer vivo introduzido no estômago

agradam muito mais pelos seus potinhos cilíndricos

de plástico duro ultra-resistente nas cores vermelha, azul e amarela

bem tampados, fechadíssimos

são muito úteis nos dias de chuva molhada

podem guardar bem guardadas pontas de cigarros de todos os tipos, texturas e sabores

se prefere uma dose de chás diversos e variados ou de cachaça também pode

ou porta-remédios com a escala de centigramas indicada

são certamente duma utilidade mil aqueles potinhos vendidos ao preço de R$ 2,29

(valor corrigido para o mês de março de 2015)

me acompanham sempre no bolso esquerdo ou no direito

cada um com a sua cor e seus conteúdos mágicos

vez em vez enjôo, jogo fora e compro outros

e assim vou renovando o meu interminável engano.


1 hora e 16 minutos de 11 de abril de 2015.

Substância

Já furei meu pulmão

já estourei uma veia do braço

já irritei bem irritados os cornetos e o palato

que até nasceu no céu da boca um osso brabo

agora cavuco o estômago com toxina botulínica

pra ver se chega nas entranhas a substância

e escorre pelo reto pra curar minha hemorróida assada.


Cansei de caçar carrapato

cansei de me enfiar no mato

nunca corri feito um louco

nem disse asneiras embriagado

meu sonho mesmo escorreu pelo ralo

e na escrivaninha do quarto não sobrou nem o seu retrato

trancaram tudo e me proibiram de entrar

cansei dessa vida e agora são nas mágoas da minha barriga que encontro a substância ativa.


13 horas e 58 minutos de 7 de abril de 2015.

Puta calor

Tá um puta calor, imagina quando eu acender o cachimbo...


18 horas e 40 minutos de 8 de janeiro de 2015.

Vilma Festas

Passo tão apressado pela fachada da Vilma Festas

com o olhar distante até Antuérpia

que até’squeço qu’é minh’última viagem

de trem até São Paulo.


Desses sete anos vivi só um

não, espera... foram dois

dois anos livres e os outros cinco

em queda livre.


Me aposento antes da hora, saio de cena

cansei do teatro da vida

cansei de esgotar minha barriga

de encher meus pulmões de estricnina.


Sem chão, sem céu e sem teto

nem a sua marca de biquíni me chama a atenção

vou cuidar dos calos da minha vida

vou correr atrás do tempo perdido.


14 horas e 52 minutos de 19 de fevereiro de 2015.

Brincadeira

Chega! A brincadeira perdeu a graça.


14 de outubro de 2014.

domingo, 10 de maio de 2015

Restos consagrados de mim

Olha, o peixe morto voltou

nadando em águas radioativamente ativas

com a boca fincada no anzol

e cheio de droga de peixe na barriga


Não é ômega 3 nem ovas de salmão

não é tintura de polvo nem dente de baiacu

do padre não sobrou nem o sermão

e do negro d’água nem o pau nem o cu


Respingando sêmen no canto esquerdo da boca

escorreu pela garganta a barrigada da sardinha

Iansã estuprada deu uma de louca

e meteu entre as pernas a cabeça da manjubinha


Foi então que Seu Peixuxa acendeu seu charuto

esfumaçando a gleba de 7 por 12

meteu no nariz o canudo

e bateu na filha com aquela velha e enferrujada foice


O peixe fora d’água morria feliz

excretando as vísceras podres de dois anos atrás

eram só os restos consagrados de mim

perdi com violência a virgindade da frente e de trás


Seguia para a fossa abissal

de encontro com os peixes-bruxas

corria no oceano fugindo pelo fundo do quintal

como o casco submerso de uma tartaruga


Encheram de estricnina a boca

e de arsênico o cu

caiu a realidade brava

a morte no mar é verde, vermelha ou azul?


2 horas e 22 minutos de 25 de março de 2015.

Palato

Te sinto no corneto médio e no meato... escorre pelo palato... contraem-se as tonsilas... pornograficamente adicta, uma garganta profunda de cocaína.


7 de janeiro de 2015.

A Última Refeição

Comi minha última refeição naquele velho restaurante cheio de juventude e vinagre

no dia tinha frango quase cru, assado e ensopado

estava com um sabor bom, bem temperado

pra acompanhar tinha salada de repolho e chuchu refogado

foi um banquete, o último depois de tantos anos

e apesar do cardápio monótono eu nunca reclamei porque Deus não perdoa desperdício

enchi o prato com arroz, feijão e farinha

em menos de dez minutos devorei tudo

era uma vida que passava pela minha boca

minhas papilas gustativas já não eram mais as mesmas

meu pulmão preto e o meu esôfago furado por enquanto ainda funcionavam

foram cinco anos, mais de quinhentas refeições

me mandaram pra bem longe, onde Deus não faz morada

mas aceitei sem maiores problemas o meu destino

ainda estou tentando encontrar felicidade, apesar da avançada idade

não encontrarei mais aquelas coxas de moça jovem nem as coxas de frango

não perturbarei mais aqueles que vão ao banheiro e encontram a porta fechada

não vou mais ficar te olhando sem pudor, fique tranquila

não vou decepcionar de novo as suas expectativas nem as minhas

adeus cozinheiro nordestino, adeus meu crocante frango frito

continue alimentando essa gente, não importa se tem ou não Deus na mente

alimenta essa gente, alimenta esse povo.


15 horas e 1 minuto de 26 de fevereiro de 2015.

O Cogumelo Mágico

Dois sachês de chá de canela, quatro colheres de sopa de mel de eucalipto, três cravos de Índia, uma dose de 30 ml de rum branco e 300 ml de água mineral. Aqueça todos os ingredientes em uma chaleira, mas não deixe ferver. Pique 6 gr de cogumelos mágicos vendidos secos, e embalados a vácuo por uma empresa idônea, ao preço de R$ 60, em um copo. Despeje a mistura, mexa um pouco e cubra. Deixe esfriar por uma hora. Coe e jogue fora os cogumelos. Em uma tarde aprazível de domingo tome a bebida e procure por pessoas de mente aberta que não queiram discutir Marx nem Kant, nem Schopenhauer e nem Dostoiévski. Não carregue consigo muitos pertences, pois a chance de perdê-los é grande. Carregue apenas o documento, dinheiro e cigarros (se você for tabagista como eu, é claro). Em apenas três horas você terá restabelecido sua consciência e sentirá saudades daquela “pequena morte”. Evite repetir a intoxicação por mais de dois dias seguidos.


13 horas e 11 minutos de 24 de março de 2015.

Ressabiado à luz da lua

’Quele garoto co’aquela lua

ressabia de quem passa ao lado

regurgita enquanto aspira

o ar inebriante d’éter d’outr’álguem

céu iluminado d’estrelas gotejantes

lebre, rat’ou castor se passam de ruminantes

é c’a magrugada é curta

não dura o pingo d’um pino

e qu’esta’questão não é tão simples

não depende de mim nem das libr’esterlinas

respin’goteira na cabeça da minha cabeceira

que molh’até o saco

escraninhainha de labirintiteíte

castr’o castor antes qu’é tarde

não descansa nem na sexta-feira santa

e como o kaiowá-nhambiqwara mat’a’nta e come

se fosse uma bolinha de cera n’ouvid’esquerdo

estava bom qu’era fácil, fácil

mas a magrud’acabou era tantas’pras’tantas.


Pingo de água verde escarlatina de lamentaciúncula de duas e vinte da matina de primeiro de abril de dois mil e quinze do ano de Cachadaço-Playmobil.

Oxidado?

O que era aquilo? Um oxi crackeado ou um crack oxidado?


Meio-dia e 24 minutos de 19 de março de 2015.

O Maço do Suicídio

Naquele maço de cigarro guardo meu suicídio

nele levo mil e um venenos, digo, crack e cocaína

que eu compro ali na esquina, bem pertinho

desagrada ao Senhor e também ao meu fígado

e ainda por cima nem me desbaratina.


Procurei no teu amor a minha salvação

não encontrei e me entreguei ao vício

vendi tudo o que eu tinha, um porrete e um maçarico

hoje só tenho lápis e papel pra te escrever essas palavras

polvilhadas à cocaína.


E você ainda está comigo

seu amor deixou de ser meu vício

há mais de dez anos juntos, não encontro uma saída

nem as suas tatuagens cadavéricas, nem a sua pélvis molhada

me animam.


11 horas e 38 minutos de 11 de dezembro de 2014.

Paródia

Eu vou fumar um beck antes de ir no Mac

vou comer feijão atômico ouvindo o rádio

cheirar caneta Bic num canudo plástico

tampar os meus ouvidos com farelo mágico

descer na contramão da autopista rápido

comer um cogumelo do meio do asfalto.


Alô, alô, seu Juvêncio

aquele abraço

alô, marginal de Ipanema

aquele raio

alô, ladrão de sapato

quadradinho dado

alô, mendigo com efisema

aquele abraço!


Alô, povo do Glicério

aquele dado

alô, moça magra e alta

um forte agarro

quem gosta de mim sou eu

naquele raio

quem gosta de mim sou

eu sou um trapo...


11 de dezembro de 2014.

Mel orgânico

Fui lá pensando encontrar mel orgânico, mel novo

só encontrei borracha torta com essência dum semimorto

travou e atravancou de novo meu até aqui então forte organismo

raspa do tacho da tia da cozinha que cozinha ali ao lado

displicentemente arrancou tudo o que eu tinha

sorte minha que eu tinha recebido

quiçá amanhã ou antes de ontem eu encontre coisa boa

porque essa molecada de hoje em dia já não mostra mais fibra

se entorpecem o dia inteiro e estragam minha narina

e eu já não penso em outra coisa na vida...

pobre de mim.


9 horas e 18 minutos de 21 de outubro de 2014.

domingo, 5 de abril de 2015

Encapsulado

Encapsulei o encapsulado

captei com o capataz o culpado

com a concordata de um corpo cavucado

com cristais de chumbo cravejados.


Cantarolei a canção da cessação

cantoria de um cano de canhão

não concordo com o calvo cidadão

que com cadeira de cadeia cessa um coração.


Sinto o santo no semimorto

sem salmos nem súplicas

desvaneceu sob o sol da súmula “salvação”.


Sombra sumária de um sacristão

seleção de uma sociedade sem solução

salve o sujeito que selou com sangue esse chão.


11 horas e 17 minutos de 23 de outubro de 2014.


Poesia sobre as frequentes chacinas de jovens negros nas periferias brasileiras.

Cem doses de rum não me embriagam

Não existe no mundo

farelo de cocaína que me ponha pra cima

nem pedra de crack que me ponha pra baixo

nem cem doses de rum que me embriaguem

nem cachimbos de fumo que me relaxem

nem remédios controlados que me façam dormir

e nem anfetaminas que me tirem o sono

nem ayahuasca e nenhum outro elixir

que dilua a realidade num piscar de olhos

mas sem nem a cannabis me avermelha os olhos

e nem a cachaça me embrulha o estômago

nem seringas usadas me transmitem AIDS

e nem fita de vídeo me põe pra dentro dum filme

até tentei outro dia engolir uma pilha

do jeito que entrou saiu e ainda cheia de bateria

engoli os bacilos de Koch duma amostra velha e vencida

e nem assim peguei gripe

nem tosse, nem dor, nem febre ou sinusite

me joguei na frente do trem, o maquinista parou

ateei fogo na casa e os bombeiros a tempo chegaram

transei com uma mendiga...

nem cancro, nem sífilis, nem gonorréia peguei

Diazepam, Benflogin, Haldol e Rivotril

já tentei de tudo, até Krokodil

e nada me trás de volta aquele mês de abril

estagnei na realidade e dela não posso sair

e pra sempre será meu início, meu meio e meu fim.


3 e 15 da madrugada de 22 de outubro de 2014.

Já dizia minha bisavó

“Mais vale um gosto que um vintém no bolso!”


14 horas e 20 minutos de 2014.

Já dizia eu

“Mais vale um gosto que um ventrículo novo!”


14 horas e 21 minutos de 2014.

Quatro caprinos campeiam no descampado

Quatro caprinos campeiam no descampado

com quantos cumes se constrói um quadrado?

Quanto queira e como quiser

quantifique o que não é calculável

calcei o calo do campesino

e com cápsulas corroídas cancelei a cancela da vida

come cuspido a carne crua de um cadáver cozido

corou até o coro do coral da cascavel carpaccio

conversas cavucadas em calçadas descalças

cobre o curió encoberto pelo canteiro

corro quanto consigo, caloteio o cachaceiro

cansado do cristal do cabo-friense

consumidos os cacaus de Cincinnati

cárie claustrofóbica e cansadiça que concorre

com contas em Cancún e Cayman

cantarolarei o quanto quero

e com a caveira do coelho carcomido

contarei o caderno do camelo

no recôncavo caramelo do teu clitóris.


13 horas e 26 minutos de 19 de março de 2015.

Futuro incerto

Cheio de porcaria na cara, na cabeça

quer o quê?

Dói mesmo!


Os pensamentos vazios

cheios de coisas que não viveu

moldados numa forma abstrata de ser

de pensar

depressão na certa.


Não adianta esconder os dentes

eles tremem

e nem adianta abaixar a cabeça

que ela cai.


Ou muda agora

ou nunca mais.


7 horas e 47 minutos de 2 de outubro de 2014.

Semana Santa

— Mas você usa drogas na Semana Santa? — blasfêmia! — perguntou-lhe com um olhar repreensor.

— Não — respondeu tranquilamente — uso drogas toda santa semana.


10 de março de 2014.

Colega meu me perguntou (de novo aquele chato)

— Herculano, com que idade você começou a usar drogas?

Respondi:

— Eu nunca comecei a usar drogas, eu já nasci usando!


6 horas e 42 minutos de 28 de janeiro de 2015.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Resquícios de Sábado à Noite

Resquícios de sábado à noite

no meu nariz todo dia eu encontro

é de segunda, é de quinta, é de terça

sempre aquela melequeira

na minha cama já não sobram calcinhas

só capsulinhas

e na minha mesa não vejo mais recados de amor

só poeira e canudo inerte a bolor

dentro de mim, na barriga comida, nas costas fadiga

e no pulmão e na cara?

Ai meu Deus, nem me diga!


E nem no dia que a caveira está na porta da loja

eu me arrisco sem medo e não saio de lá sem a droga.


E eu cada vez mais sensível, procurando armadura indolor

cada mais aflito em busca do amor

e se a morena ali do lado pra mim a saia levantasse, decerto que eu aproveitava, mas ainda assim não seria nada

se a Fernanda ou a Gisele aceitassem meu beijo, estaria eu ainda cheio de desejo

e se a Patrícia enfim me desse uma chance – era tudo o que eu queria até ontem – bem capaz que eu enchia minha cara de novo de sangue.


Dizem que se aprende com o erro, eu até concordo

e se eu continuo errando é porque não aprendi ainda, não chegou a hora

mas isso não pode ser burrice, acho que é mesmo assim.


No ano passado até tentei apagar com borracha o meu coração do peito

enterrar todos os meus sentimentos, e eu bem que consegui

mas até a escuridão um dia passa, o Sol nasce

até a crença um dia some, o corpo morre

até o maior de todos os amores um dia esfria, como a exaustão de uma bateria

até o monge tibetano um dia cai em engano...


Não choro apenas porque não produzo lágrimas

a tristeza e a solidão são amigas traiçoeiras

da sociedade nada espero, nem na paz e tampouco na guerra

de mim, certeza só o caixão (que quero que pintem de anil)

posso até me jogar na frente de um carro, pular do alto de um prédio, tomar Propofol como o rei do pop, insultar um homem armado da lei ou como Annie Taylor me enfiar num barril

mas nada, nada nesse mundo pode me trazer de volta aquele mês de abril.


16 horas e 4 minutos de 16 de dezembro de 2014.

Virilha

O sono não vinha de jeito nenhum e já era mais de quatro da manhã, eu tinha que levantar as cinco. Como não tinha o que fazer, decidi raspar os pêlos e ficar liso igual um bebê. Depois de muita espera a grande noite chegou, tomei um banho decente e escovei meus dentes pra poder lhe beijar. Bem na hora H ela me vem com essa “Que é isso, Hércules? Virou viadinho? Era só essa que me faltava... depilando a virilha...” e eu “Ah, pra quê essa frescura! Cai de boca, filha! Lambuza! Castiga!”


5 de janeiro de 2015.

Contrabandono

O efeito da lidocaína dura cinco minutos

são instantes tão enxutos

que cai uma lágrima pelo canudo

que aspira todo aquele conteúdo.


A cavidade mal irrigada

e por todos mal interpretada

pela língua antecipada

que nem parece mais navalha.


Na estação Macedônia

dum trem numa velocidade

que nem abafa minha agonia.


Risonho só o comerciante do Rio

que engana a mocidade

em seu contrabandono clandestino.


10 de outubro de 2014.

O Trouxa (nº 2)

Quando eu estava na biqueira ela mandou uma mensagem trazendo dinheiro e trabalho, pra eu comprar mais... pra você pagar as contas, seu trouxa!


14 de outubro de 2014.

Cocaína

É fácil, você pode escolher:


Zona Norte, pó de vidro

Zona Oeste, pó de mármore

Zona Sul, lidocaína

Zona Leste, ácido bórico

e no Centro, anfetamina


Só esqueceram mesmo é de pôr a cocaína...


8 de setembro de 2014.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Despedida pedida

Entre um embarque e outro

não foi mais que meia hora

não foi mais que uma vida

que até a catraca travou desiludida.


Meu pai que me protege

que me liga, bem na hora, e evita

que me livra da bala perdida

da arma do policial civil enfurecida.


Há tempos que pedia esta despedida

há tempos que pedia esta mordida.


Não foi um beijo como o do Kurt, o do Philip ou o do Jimi

mas foi o beijo mais longo da minha vida.


Foi um beijo doce e traiçoeiro

um beijo tão pedido de pedreiro.


8 de janeiro de 2015.

Dois anos de vadiagem

Completei dois anos de vadiagem e nem percebi

dia dezoito de janeiro de dois mil e treze fui mandando embora

enxotado, espezinhado, posto na rua como um despejado

fugi da polícia, corri pelas vielas da favela

cai no chão de cara na bosta do gato

me caguei todo, fui espancado por três maltrapilhos

bebi urina e meu próprio sangue...


Sai renovado, como um passarinho que aprende a voar

por meses a fio vivi os melhores anos da minha vida

andava pelos parques da cidade, conhecia novos lugares

não falava com ninguém, mas me divertia

morei de favor, vendi drogas, vendi até o meu próprio corpo

me desconectei de tudo...


Mas a realidade voltou em seguida

ao final do melhor ano da minha vida descobri a sangria

minha saliva já não era mais a mesma, meus pensamentos abstratos perdidos no ar

nem meu sexo, tão calorento e selvagem, virou algo minguado que não dá nem vontade...


Completei esses dois anos e agora é a hora

o astrólogo argentino – maldito, pra quê tanta sinceridade? – disse pra deixar pra trás tudo isso

eu, um pouco confuso, que nem lembrei do aniversário trágico, devo me decidir.


Conto com Deus, e ninguém mais!


21 horas e 40 minutos de 18 de janeiro de 2015.

Ônibus Lotado

Dei um tiro pra pegar no tiro um ônibus faminto por gente cor de vinho tinto

O fedor do suadouro no couro deste povo enjaulado no automóvel feito touro

Só não relincha porque está cansado deste dia de pura fadiga no final do dia

Com o cheiro da fábrica que se fabrica do lado do quarto de ninar imbica

o ar fétido da combustão de petróleo e bauxita

Choram o choro da solidão neste mato sem cachorro

Quando chega no mato mesmo não mata nem a fome

Se o feijão é duro não reclama pro patrão que ele é mais duro

Antes disso passa pela fábrica de blocos onde o monobloco produz tijolos

É árduo o serviço que nem chouriço põe na testa a cartola, nem refresco de cola

No barraco de madeira está a esteira onde dorme a família inteira

Do lado de fora o cachorro magro em sua portinhola

Descansa Seu Gildo, que agora pode

Não me pede esmola que mal dormiu daqui a pouco está na hora

acorda logo e vai trabalhar sem demora.


17 hora de 16 de dezembro de 2014.

Sushi

Sushi com cocaína não combina.


15 de novembro de 2014.

No último verão

Perdi todos os pêlos do nariz no último verão

no ouvido produção excessiva de cera

os olhos esbugalhados com miopia aumentada

migrânea do lado esquerdo

catarro encrustado no esfenóide.


E o pior é que o último verão não volta mais pra terminar o serviço.


11 de outubro de 2014.

À noite todo mundo se arrisca

Luz piscando à noite, é polícia?

Não, é ciclista.


18 de novembro de 2014.

Amitriptilina

Me deram essa bolinha laranja

pra tomar todo dia meia hora antes de dormir

mas o que pode fazer a amitriptilina

por quem cheira cocaína?

No máximo dor de barriga

por causa do amarelo tartrazina

ou sonolência excessiva ou estado de vigília

mais uns dias misturo com uísque

pra ver se cura de vez minha enxaqueca-migrânea

e desbaratina.


9 horas de 30 de agosto de 2014.

Perdi a libido

Fui descendo a mira e estava tinindo

quando vi o seu dedão do pé perdi a libido.


17 horas e 20 minutos de 8 de janeiro de 2015.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Liberdade

Na Liberdade encontrei minha prisão

ao lado da delegacia de Polícia Civil

como bala de canhão

martelada na cabeça

falseando sentimentos embebidos de emoção.


Do cano de esgoto do casebre

sai meu paraíso artificial

por trás das costas do mal

encontro descanso

no recôncavo baiano do homem normal.


Anestesia o copo, mas dele não sai mais

fica a lembrança do beijo de um capataz

na fumaça puro corte

do meu gosto mal amado

redescubro a cada dia

que a liberdade não tenho mais.


9 horas e 19 minutos de 15 de outubro de 2014.

Gripe

Hoje o dia está bom pra contrair gripe suína.


8 horas e 47 minutos de 2 de outubro de 2014.

Pecados

O meu jeito impensado

não dá conta dos pecados

ainda que fossem pecados

estava bom

mas pra mim nem isso são

drogas são alimentos

os desamores no contravento

são o meu cotidiano.


Solidão que não me deixa desiludir

com nada

realidade demais atrapalha

o visgo do amor é o muco

o muco é água

e a água é água e aí mesmo se acaba.


Pelo meu olhar nada passa

nada de alegria me alegra

só a tristeza me faz chorar

a pobreza, a fome, a desgraça

(dos outros)

de resto nada me ataca

nada me causa arrepio.


O blues, o samba, o rock, o clássico

pelo menos isso alegra a casa

devia deixar o som ligado quando saio.


Plantas diversas, aqui e ali

as rego por nada, pois delas não me alimento

não são amigas, são apenas vidas

e por isso mesmo as rego.


Nossa Senhora de Aparecida que me olha

o sexo sei que ela não desaprova

mas o resto...

por isso que viro sua cara

para que não veja as minhas atitudes desastradas.


Procrastino o trabalho

pois dele só tiro o sustento

mais nada.


Da minha vida, se espremer (e bem espremido)

ainda assim eu acho que não sai caldo

pelo menos é vida, porque a morte é o nada

diria o nada do nada

melhor estar vivo

e se não tem atrativo

tem pelo menos vinho, castanha de caju e chá de hibisco...


20 horas e 53 minutos de 3 de outubro de 2014.

Te vi no metrô

Me encantei com seus traços, moça

seu nariz que parece que levou um soco

é delineadamente belo

suas curvas verticais (e também longitudinais)

recheiam minha imaginação

já tão cheia de delicadeza (e safadeza)

seus olhos brilhantes como duas pérolas negras

nem perceberam minha presença

em compensação, eu

na sua ausência

sofro tanto.


Outro dia desses, quem sabe

nos encontramos novamente

e da próxima vez não perderei tempo

e me declaro por inteiro.


8 horas e 19 minutos de 9 de outubro de 2014.

À noite todo mundo se arrisca

Luz piscando à noite, é polícia? Não, é ciclista.


18 de novembro de 2014.

Um colega me perguntou

Colega meu, certo dia desses, me perguntou em quais banheiros eu já havia consumido drogas (leia-se, cocaína em pó).

Respondi que era melhor me perguntar em quais banheiros eu não havia consumido drogas (leia-se, cocaína em pó).

Então ele perguntou.

Respondi: “No banheiro das mulheres”, e ficou subentendido.


23 de setembro de 2014.

Organismo

O que entra pelo nariz vai parar lá no joelho... e aí dói.


8 horas e 33 minutos de 15 de outubro de 2014.