quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Madrugada

Na madrugada faço mil e uma infusões químicas

preparo mil e uma misturas químicas em cigarros de tabaco ou de cannabis

peneiro bem peneirado o rapé perfumado que ataca meu palato e dele faz sair no céu da boca um osso brabo

eu rio da minha sorte de principiante e da minha desgraça há vinte e seis meses anunciada

me desculpe se não fui sincero, não tenho culpa se você não percebe o meu estado alucinado (se bem que eu disfarço bem)

se o amor é para todos, o vagabundo também tem direito de amar e se lambuzar com o muco vaginal

quando fomos para Marselha você não reparou na minha coriza e no cheiro forte que saia da minha boca

você não sabia que dois dias antes eu tinha encontrado um marroquino no porto (veja bem como sou disciplinado, eu disse “dois dias antes”)

é verdade, aquelas picadas no braço eram da enfermeira com Parkinson do hospital Le Givre

e quando encontramos a miséria viva em Luanda você acreditou mesmo que iboga era um chá pra dor de estômago

e no Rio de Janeiro, aquela cidade sempre maravilhosa, cheia de morros e favelas (sim, no Rio de Janeiro, aquela cidade sempre maravilhosa)

você pensou que o Rodrigo era mesmo um amigo de infância…


Na madrugada você dorme, meu amor, e eu não viro coruja, eu viro é rato

na madrugada todos dormem, minha mãe dorme, meu irmão dorme, minha irmã dorme e você também dorme

quando corto minha língua com navalha, a fumaça que impregna meu quarto de estar sai até pelo ralo

do intelectualismo ostrogodo que de dia eu vivo, de noite eu me transformo

se sou um burro ou um chato, acho que sou os dois

na calada da noite ponho meu disfarce, e não é de Mister M nem de Wally

é de Herculano Novaes, homem normal em sua indiferença crônica

um dia você voa passarinho, mas só no dia que eu abrir a gaiola.


9 horas e 12 minutos de 22 de março de 2015.

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