sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Hugo, o jovem

– Já falei pra você não deixar aquele nóia vir aqui!

– Mal aí, ele apareceu do nada.

– Não vou falar de novo, não quero nóia na minha boca.

E foi assim que Hugo iniciou sua vida no crime. Cento e sessenta e oito meses, cinco mil cento e dez dias e nenhuma escolha. Sua mãe enfermeira trabalhava de sol a sol, mas o pai não estava, nem sabia quem era. Infância de misérias, pés descalços e barriga d’água. Ficou magro, magro.


Quando o Paraíba tomou a boca depois que o Fião morreu com sete tiros na cabeça, o jovem Hugo, que nunca tinha beijado na boca, decolou como avião. Cara de bom moço, passava um pano pros coxinhas e sempre se safava. Pobre Hugo, tão jovem e tão sonhador… sonhos que se dissipavam no ar em meio àquela baixada no centro da cidade, cheia do cheiro fétido de tempos de outrora, do Mercado dos Caipiras, do Municipal e das lavadeiras do Tamanduateí.


Que saudades eu sinto, me atendia tão bem, com voz de mal e três ou quatro doses de paraíso artificial. Depois daquela bronca eu parei de visitá-lo. Fiquei meses a fio fincado no meu quarto de estar desarrumado. Quando voltei não o encontrei. Voltei mais uma dúzia de vezes e nada. Da última vez vi que demoliram até a porta de entrada da loja, só cascalho no chão, acho que mataram o Paraíba.


Meu jovem Hugo, que a vida seja bela pra você, que você encontre o seu próprio caminho. Obrigado pelos plastiquinhos vermelhos bem fechados, obrigado pelos neurônios que você me ajudou a queimar, pela vida vadia, pela lâmina da navalha na ponta minha língua ressecada. Obrigado pela porção vantajosa e obrigado também pela estragada. Voa pardalzinho, encontre tua rota, encontra uma companheira boa, sai dessa vida que eu vejo no seu rosto a infância ainda viva.

6 horas e 29 minutos de 22 de junho de 2015.

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