sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O Portão Dourado e As Siriemas

Pintaram o portão da vila de dourado bem no dia em que eu deixei meu barraco

recolhi todos os sapatos, juntei minhas coisas e enfiei num trapo

deixei pra trás uma vida inteira e não ouvirei mais o canto das cigarras nem dos carros

não sobrou um resto de mim, só as siriemas do mato, meia dúzia de galinhas e três pintos d’água

cascalho batido por baixo do chão e aquela cozinha cheia de baratas

me lembro que quando chovia fazia enxurrada e inundava a casa

lavava o chão com esgoto e urina de rato até um palmo

mas que eu sinto tanta saudade…


Fizeram brilhar de ouro aquele ferro velho do portão de entrada

só pra se despedir de mim e me dar mais saudades

aqueles boldos crescidos, aquele manjericão e aquele maracujá entrando pra dentro do quarto

as incontáveis noites de fumagem deixavam um amontoado de garrafas vazias no meio da sala

cuspidas, portas fechadas e cinzeiros cheios de bitucas de cigarro

entre outros tragos que deixavam no ar do estreito barraco o cheiro de incenso de benjoim e tabaco.


Sempre me lembrará o sol nascendo aquele lugar, que quantas vezes virei desacordado

e quantos momentos delicados com o cachorro ao lado de banho tomado

ó, e aquele cheiro de sabonete perfumado, sinto na ponta da língua o corte da navalha

no coração perfurado a fogo de brasa de caldeirão, ainda resta um ventinho para soprar

da lata de alumínio já não sai nem Guaraná Antártica nem gás corrosivo

hoje não me bastam ouro nem prata e nem galinha d’Angola da África

amornado, como café quente com leite gelado, não encontro saída nem pelo esgoto do ralo

o passado não me pertence mais, nem meus pertences mais

que na memória fiquem selados aqueles anos de mocidade naquele barraco.


3 horas e 38 minutos de 10 de março de 2015.

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